Foi no inicio de 2013, que um sintoma, um pouco mais visível, da doença denominada Esclerose Lateral Amiotrófica, apareceu no dedo mindinho do pé esquerdo do meu marido. Ele começou perceber na academia, quando fazia esteira. As suas pisadas estavam fora do compasso.
Aí então começou a busca pelos médicos. E depois de uma serie de exames, o ortopedista mandou procurar um neurologista, que por sinal, faleceu antes de dar seu diagnostico. Mas pela sua grande experiência e pelo seu semblante, quando olhava as neuromiografias, ele sabia que o resultado era positivo. Mas, ainda não podia falar. Passamos para outro neuro, novos exames; e então, recebemos o resultado oficial, que a gente já sabia.
Durante esse período de mais ou menos 7 meses, ele já estava usando bengala e anti-equino, para levantar o pé esquerdo; fazendo fisioterapia, acupuntura, massagens…
No fim do mesmo ano passou a usar duas bengalas, mas continuou trabalhando na empresa. De Contagem ao Belvedere, passando pelo anel rodoviário todos os dias. Com o passar do tempo, e o aumento das dificuldades motoras, foi diminuindo para quatro vezes na semana, três, duas, até ir para a cadeira de rodas em fevereiro de 2014. Mas mesmo assim não desistiu do trabalho.
Morávamos em um apartamento, que por sinal havíamos nos mudado a pouco tempo. Saímos da nossa casa por que ficou muito grande com a saída de dois dos filhos, para se casarem. Mas agora, aumentando, a cada dia, as dificuldades de locomoção e por causa da escada, que por sua vez, o fez cair (foi muito doloroso vê-lo caído no patamar de baixo), nos mudamos para a nossa chácara, no centro da cidade. Tivemos que adaptar a casa as condições dele. Construir um banheiro maior em um dos quartos, alargar todas as portas, colocar barras de segurança… Enfim, tudo que fosse necessário para seu conforto; inclusive um elevador externo, porque havia um desnível de quase 2 metros da garagem para a casa.
Continuava trabalhando só que em casa. Seu chefe, não era um mero empresário, era também um grande amigo, que o apreciava e o valorizava muito. Então, ele percebeu que meu marido já estava ficando muito cansado para se deslocar ate o escritório, sugeriu que um dos seus colegas de trabalho fosse trabalhar com ele em nossa casa, duas vezes na semana.
Com o tempo, devido as dificuldades motoras e respiratórias irem aumentando, e então, a frequência de seu amigo de trabalho teve que diminuir, até não poder trabalhar mais.
Mesmo de cadeira de rodas, Deus nos abençoou tanto, a ponto de nos proporcionar uma viagem a Maceió. Eu, ele e sua mãe. Ele amava viver e comer bem. Queria ir a sauna do hotel todos os dias, e eu o levava, graças a Deus. Conseguimos também leva-lo a praia, tirar da cadeira de rodas, colocar em uma de plástico, na beirada do mar. Ficou ali alguns minutos com seus pés mergulhados na água.
Quando voltamos da viagem, já estava com seus membros superiores fracos, a ponto de dirigir apenas uma vez, assim mesmo por que eu insisti muito, para incentiva-lo a não desistir.
A cama não dava mais, o colchão já não estava confortável. Compramos, então, uma cama eletrônica daquelas que dobra em varias posições, um colchão tipo Nasa, e uma poltrona de massagens.
Apesar de morarmos no centro da cidade, é uma área que tem muitas chácaras ao redor, e com isso, arvores, folhas e “queimadas”, o seu grande terror! Sua respiração estava tão sensível, que sentia cheiro de fumaça a quilômetros de distancia. Lá ia eu procurar o autor do crime, e pedir encarecidamente para apagar, explicar a situação e ate chamar o corpo de bombeiro, para queimadas maiores, que nunca vinha. Acho que estavam todos concentrados no Parque do Rola Moça. E ai, tinha que correr depressa com ele pra debaixo do chuveiro. O vapor aliviava. O ano de 2014 teve períodos de grande seca, e a umidade relativa do ar muito baixa.
Foi necessário, também a compra de um Doblo adaptado, para ir as consultas, e outros poucos lugares. Já estava ficando difícil fazer a transferência dele da cadeira para o carro, e vice versa. Todas as coisas, ele mesmo que pesquisava pela internet, e corria atrás. Monitorava tudo, e dava as coordenadas.
Quando temos uma pessoa que amamos muito, e essa pessoa está doente; debilitada e completamente dependente de você, a sua vontade e de fazer tudo, e um pouco mais pra ajudar. E as vezes tomamos atitudes meio insanas.
Em busca de um clima mais saudável; tratamento alternativo; do precioso silencio, partimos para uma grande aventura. Fomos morar numa cidade no interior de São Paulo.
Fomos, então, nós dois e mais um cuidador, no dia 8 de setembro. Lembro bem, porque era aniversario do meu filho mais novo. Foi uma decisão que me arrependo tremendamente. Por enquanto, ainda não consegui ver um fim proveitoso dessa mudança. Mas creio que, talvez tenha tido, em prol de outras pessoas. O mundo espiritual é muito amplo.
Voltamos dia 3 de novembro. Sou grata ao meu bom Deus, e a comitiva que Ele enviou para nos trazer de volta, e todos os nossos pertences, ao aconchego do nosso lar, filhos, amigos, irmãos; e ao nosso único netinho. Dois meses, que me pareceram dois longos anos!
Voltei sozinha com meu marido de avião. Ele estava com pneumonia, e teve que ser transportado de guarda-chuva, para a aeronave, porque não havia aquela passarela, que conduz o passageiro do aeroporto ao avião, para aquele voo. E, fora o atraso por causa do temporal.
Passados alguns dias, teve que ser levado para o CTI do hospital Madre Teresa, onde permaneceu por uma semana. E a parti daí, começa uma nova fase. Durante este período de internação, a família foi treinada a manusear os aparelhos de ajuda respiratória, tipo Bipap, apesar que o indicado pelo pneumologista foi o Trilogy, conseguido após 4 meses de briga com o convenio, por ser um aparelho bem mais caro; o ambu, um aliado de difícil manuseio, por sinal. A principio, ele permitia que, só eu fizesse o ambu, mas com o passar do tempo, e por causa do meu cansaço, os filhos foram pegando o jeito. E o mais triste, era o aspirador de secreção.
E ai então, que começa a batalha mais intensa. E como se você estivesse numa guerra, e, de repente começa tiroteios por todos os lados! De uma hora para a outra sua casa vira um hospital! Atendimento domiciliar do convenio; assistente social, enfermeira supervisora, fisioterapeutas, clínico, pneumo, medico da dor, “TOs”, nutricionista (quando vinha). E o mais sofrível de tudo e de todos, foi conviver com o serviço de homecare, terceirizado pelo convenio médico. Os técnicos de enfermagem, quase todos, bem desqualificados. O mais cruel era a intensa rotatividade. Talvez, em outro momento, se Deus me der oportunidade, eu possa contar detalhes. Era cada uma, que nem eu mesma, que presenciava, não acreditava! Achamos que o problema era da empresa, e pedimos para trocar. Ai vimos que o que o problema não era daquela homecare, era desse mercado de trabalho. A primeira, foi ate um pouco melhor que a segunda. Mas, também apareceram pessoas bem amorosas e humanas que permaneceram bravamente!
Mas, existia também, um outro lado de assistência. Deus mandava todo tipo de ajuda, e de todos os lados. Conforto espiritual por todos os meios. Presencial, ou por mensagens pelo whatsapp, meu grande aliado. Cada um contribuindo numa área. As necessidades eram muitas, e surgiam novas todos os dias. A doença estava evoluindo tão rápido! Parecia que, se a gente reunisse todo o esforço de todas as pessoas do mundo, ainda era pouco. E o mais angustiante, e que a gente quer dar sempre mais e mais conforto a pessoa amada, mas não consegue, porque as coisas mudavam toda hora, e nem as pessoas mais próximas, não conseguiam ver, e sentir como você.
Contudo, meu marido era bem otimista, nunca deixava a peteca cair. Muito disciplinado. Os horários dos remédios, ele que lembrava, porque eu e os técnicos esqueciam, quando não davam trocados. Pedia para ouvir suas mensagens e música preferida, tipo Grupo Logos, Gather, Arautos do Rei. Assistia do tablete, que era colocado num tripé de partitura musical, sugerido e providenciado por um dos nossos amigos voluntários. E deu certo! Cada um contribuía de um jeito. Depois, pedi ao meu filho mais velho comprar uma TV para colocar no quarto. Mas, foi de pouco uso. Ele gostava mesmo, era de ficar na sala com gente.
Como não podia sair mais de casa, devido as fortes dores na coluna, e os buracos no asfalto não cooperavam, a igreja começou a transmitir as reuniões online. Todos os domingos pela manha, ele que lembrava, e pedia para ligar.
Em breve tempo, ele perdeu a voz, e começou a se comunicar com um computador, que faz a leitura através dos olhos, pela iris. Era outra luta, porque nem todos sabiam manusea-lo, nem eu. Só alguns de meus filhos e outras poucas pessoas. Os técnicos, nem se fala. Mas, apesar de tudo, ainda conseguia se comunicar com as visitas; dava as coordenadas para os filhos sobre a declaração de imposto de renda, sobre os carros, os imóveis. Como ele sempre administrava tudo sozinho, agora estávamos meio perdidos. Tudo tinha que perguntar pra ele, e nem sempre ele estava bem para responder. Tinha que esperar uma outra oportunidade. Lembro me muito bem, de seus últimos escritos, que deixou pra mim no Tobbi: “Maldito homem que confia no homem.”
Mesmo nessa situação, ainda fazia piadinhas de si mesmo. Certo dia, quando foi levantado da cadeira, para ser colocado na cama, disse que estava parecendo “boneco de ventríloquo”. Isso porque já tinha perdido toda a musculatura dos membros e estava todo molinho. Isso ele herdou do pai. Muito antes de adoecer, sempre comentava com admiração, o fato de seu pai ter ficado numa cama, doente, durante três anos, e nunca reclamou de nada. Sempre alegre e feliz com a vida, e com o seu Deus. Parecia que estava sendo preparado para passar por uma situação semelhante. Sua mãe fez uma declaração certa vez, que me encorajava muito quando batia a aflição. Disse-me que um dia, aquilo tudo ia passar.
Apesar do esgotamento físico e mental, eu estava vendo Deus cuidando de todos os detalhes, o tempo todo, na hora exata, com as coisas e pessoas, que eram enviadas para suprir tudo que a gente precisava no momento. Parecia que os céus e a terra estavam sendo mobilizados, em função dele. Ele era muito querido pelas pessoas. Acho, também que era o queridinho do papai do céu. Eu estava tão feliz com meus filhos, mesmo em meio ao sofrimento, porque via o carinho que estavam tendo com o pai. Todos os dias eles vinham pra ajudar. Por fim estavam todos coordenados, e muito empenhados num só propósito. E com o apoio indispensável das suas esposas. E mesmo nos momentos, que não estavam lá em casa, estavam resolvendo alguma questão nos bastidores, que por sinal eram dezenas. Cada um com suas habilidades. Esses dias pra trás, contei por alto, de 60 a 70 pessoas, entre enfermeiros e voluntários que cuidaram dele diretamente, fora outros serviços. Inclusive, ouvi um comentário muito interessante, de uma irma e amiga: Nunca houve no nosso meio, tanta assistência a uma pessoa enferma, “e nunca mais haverá”!
Por fim, por causa do cansaço para comer, mesmo alimentos pastosos e líquidos com espessante, foi necessário fazer a gastro. Todas as vezes que os médicos mencionavam sobre essa intervenção, eu ficava irada. Não queria essa coisa nele de jeito nenhum! Só gostava dos médicos que falavam que ele ainda não precisava. A fonoaudióloga dizia que ele estava deglutindo bem. Até a bronca que eu estava dela, porque vinha raramente, passou, quando ela disse isso. Parecia um fantasma reaparecendo quando falavam nisso. Só quem passou ou está passando por isso, esta entendendo o que estou dizendo. A tal da traqueo, nem se fala. Graças a Deus, não chegou a fazer. Após 13 dias da cirurgia de gastro, ele foi recolhido pelo o Pai.
Lembro que no feriado de Carnaval, ele disse para uns amigos que estavam visitando: “Seja qual for o resultado, eu estou pronto”! Já havia confessados os seus pecados, e pedido perdão a Deus e aos homens; pelo menos a aqueles que deram oportunidade. Acredito que mais nada o prendia nessa terra. Via que cada dia que passava, estava mais pertinho d’Ele. Seu espírito estava livre para deixar seu corpo terreno enfraquecido! Cumpriu a carreira e guardou a fé!
Graças ao meu bom Deus, eu estava com ele, quando tentava puxar o ar que não pode mais entrar em seus pulmões. Exatamente um mês depois de completarmos 35 anos de casados. No dia 29 de abril deste ano, 2015. E mesmo em meio a dor, ainda recebi força, bem lá do alto, para dizer aos meus filhos quando vinham chegando, tá tudo bem…tá tudo bem…
Foi o texto mais simples e mais tocante que já li. É como se estivesse lendo a minha própria história, ou melhor, a história de vida do meu avô. A única diferença é que ele ainda luta, e já tem a traqueo… Um grande abraço!
Deus é bom, sempre bom!
Sentimos saudades do nosso amado irmão, mas sentimos consolados, por saber que ele está nos braços do Pai, e que todo sofrimento acabou.
Para você querida irmã, Deus tem todo consolo! Persevere sempre, nunca desanime!
Bom dia acabo de ler sua historia por assim dizer sei bem o que vcs passaram em especial a esposa pq é quem mais sofre com td isso estou passando por isso tbm com meu marido …faz um ano que esta na cadeira de rodas tbm trabalhou até cair 3 tombos no serviço foi ai que parou até então ele usava andador ,mas podemos dizer que ele ainda esta bem pois come bem não tem dor nem reclama de não poder andar assim vamos levando…mas é muito triste essa doença…
Que lindo testemunho! Que o Senhor Jesus tenha misericórdia de nós pra aprendermos a reconhecer o Senhor em tudo e darmos graças ao que temos!
DEUS TEM VISTO SUAS OBRAS E A SUA VIDA, VOCÊ É UMA GRANDE GUERREIRA. EU AGRADEÇO AO SENHOR, PELO PRIVILÉGIO DE TER CONHECIDO VOCÊ E SEU ESPOSO MESMO EM UMA CIRCUNSTÂNCIA TÃO TRISTE, MAS VI O AGIR DE DEUS E POSSO DIZER QUE O SENHOR CUIDOU E CONTINUARA CUIDANDO DE TI. TE AMO MUITO, SEMPRE ORANDO POR VOCÊ E SUA FAMÍLIA.
Emocionante! É como se eu tivesse relembrando tudo que passamos com meu cunhado, que para mim era como um irmão!
Lindo seu depoimento. Tudo muito parecido com o que estamos passando com meu pai, desde janeiro de 2014….
Lindo ,porém cruel !
Doença cruel…
Querida, é com lágrimas nos olhos que escrevo essas palavras. Por um lado quanto sofrimento por outro vi o cuidado amoroso do Senhor. E não podia ser diferente. Vocês semearam muito carinho muito amor e colheram tudo isso. Que o Senhor continue te abençoando, te iluminando, te fortalecendo para prosseguir na sua caminhada. Amo muito vocês. Sua amiga e irmã em Cristo Rosângela.❤
Lindo.! Carregado de um amor incondicional, lendo o texto, lembrei de minha amiga Cecília Lourence Fraga, uma linda guerreira. Não tem como não chorar. Realmente por mais que se faça, não se consegue fazer, por mais que se busque, ainda não se achou. Dói sim! Mas cabe a cada um de nós, buscar incansavelmente, alguma forma, algo que possa nos levar a seguir, a querer sempre mais um pouquinho só. Que Deus em sua infinita bondade e graça, continue olhando por cada um de nós, que Ele nos fortaleça, que nos conceda, a graça que tanto rogamos. Que nenhum de nós, desista no meio da caminhada. Afinal ninguém está só. Todos estamos de uma forma ou outra em busca do mesmo objetivo, a CURA. Deus abençoe à todos nós e nos capacite a cada novo dia, a cada momento, pois como escrito, cada avanço traz consigo outro obstáculo. Mas vi vamos cada um a seu tempo, buscando em Deus as forças que nos faltam. Deus te abençoe.
Ei Sueli,
Parabens pelo texto, acho que deixa transparecer um pouquinho para todos da maneira como voce lidou com a situacao e sua impressoes tambem. Agradeco sempre por ter conhecido o Ademir e todos voces e principalmente por ter tido a oportunidade de conviver com ele diretamente no escritorio e depois dentro da casa de voces. Fui acolhido por todos com muito carinho sempre.
Ele foi um grande professor tanto para a minha vida profissional quanto para minha vida pessoal, sempre procurando com grande paciencia e sabedoria me ensinar as coisas.
Mantenho o mesmo carinho e gratidao por ele agora e tenho certeza de que ele continua olhando por todos nos.
Um grande abc e pode contar sempre com a gente.
Beijos
Clarinha, Paula e Mauricio
E eu dizia para o médico do meu trabalho ,se vc não sabe a definição de cansaço não olhe no dicionário, olhe para o rosto dessa minha amiga
Te amoooo muito tia Sú!!! Muito tocante o que você escreveu!!! mil beijos e saudades!!! ps: me dá noticias pelo whatsapp!!! Te passei algumas mensagens mas vi que elas não foram visualizadas. 🌹💖💋
Amada Suely, após a leitura de sua carta, sinto-me abençoada pela sua fé, firmeza e serenidade. Sei que grande foi seu sofrimento, mas em ele nosso amado Jesus esteve com vocês. Sinto-me abençoada e orgulhosa de fazer parte de sua vida daqui pra frente. Conte comigo sempre! !!!!
Deus continue a te dá graça nesse tempo de luto e a paz e graça do nosso Deus guarde teus pensamentos e tuas emoções em Cristo Jesus!
Te amo!
Continue a escrever. .. eh curador. ..
Obrigada pelo incentivo. Que Deus te fortaleça também nas suas lutas! Nunca se esqueça que Jesus é o nosso grande general, que vai a frente das batalhas.